Não sei quanto a você, caro leitor, mas no meu caso, tem me
incomodado bastante essa enorme quantidade de textos e artigos que tratam sobre
os "Líderes", sempre maravilhosos e inspiradores, seus feitos
extraordinários e suas receitas de sucesso, e do outro lado, os que demonizam
os ditos "Chefes", tiranos, ególatras e perseguidores, capazes de
acabar com a carreira de até mesmo o melhor dos profissionais.
A meu ver, tudo, ou quase tudo não passa de mera versão
adaptada com enormes doses de idealismo, dos arquétipos do Herói (ou melhor
seria dizer Super Herói) e do Vilão, numa visão minimalista da relação de
subordinação existente na estrutura operacional das empresas.
Ora, não sejamos ingênuos, ninguém é Herói nem Vilão de
forma absoluta, cem por cento do seu tempo. Esses perfis na realidade,
diferente da visão idealizada do mundo e das pessoas, se apresentam muitas
vezes em alternância, coexistindo no comportamento e conduta das mesmas
pessoas.
O cinema tem nos dado bons exemplos disso, pois é cada vez
mais difícil saber quem é o herói e quem é o vilão nos filmes com enredos
atuais.
Outra questão importante sobre tudo isso tem a ver com os
chefiados e liderados: onde fica a influência e a responsabilidade destes em
tudo isso? Em que medida são esses próprios profissionais, através de suas
condutas e comportamentos inadequados, que demandam uma postura menos fabulosa,
mais dura, forte e contundente por parte dos seus gestores?
Nos últimos dias do ano passado, não sei se motivado pelo
fato de nessa época do ano termos por hábito fazer nossos balanços e
retrospectivas, um profissional que trabalhou comigo em uma equipe que liderei
(se dissesse chefiei, mudaria tudo, não?) resolveu publicar numa rede social,
de forma aberta, textos falando indiretamente de como eu lhe tinha feito mal, e
de como tinha sido injusto com ele, a ponto de fazê-lo decidir pedir seu
desligamento do trabalho que tanto “amava” (palavra utilizada por ele).
Uma iniciativa no mínimo imprudente, passível de ser
considerada assédio moral, mas que, deixada essa questão de lado, me levou a
refletir novamente sobre essa relação líder e liderado, chefe e chefiado, ou
seja lá qual for o clichê no qual se queira enquadrar determinada situação.
Foi por esse motivo que resolvi de vez escrever sobre o
tema.
“Há males que vem para o bem!”, costumam dizer meus pais.
Independentemente do nível de verdade eventualmente contida
nas publicações do tal profissional, que diga-se de passagem, nunca foi de fato
alguém que eu tivesse escolhido manter em minha equipe, pelo contrário, fui
forçado a isso por meus superiores; o caso me levou a pensar sobre um elemento
pouco, ou no mínimo mal abordado nos textos que falam sobre Liderança: a crença
de que todos são ou podem transformar-se em ótimos colaboradores e, ou líderes
fantásticos.
Sim, esse é um paradigma proposto nessas abordagens dos
textos e artigos que critico: os líderes heróis que tudo e todos transformam de
forma fantástica para melhor, como se fossem o próprio Midas.
Conscientemente ou não, foi nisso que acabei acreditando e
balizando minha atuação na gestão das equipes que coordenei ao longo de boa
parte da minha carreira: “Todos podem ser recuperados e transformados em
grandes exemplos de bom desempenho e dedicação.”
Infelizmente, demorei a descobrir que isso não era
verdadeiro e paguei muitas vezes um preço emocional e psicológico alto por
isso. Aliás, não só eu, mas também aqueles que foram vítimas das minhas
tentativas infrutíferas de transformação.
Eu demorava demais para concluir que certos casos “não
tinham jeito” e consequentemente, alongava demais o “prazo de validade”
daqueles profissionais. Desliga-los era a melhor alternativa, sem dúvida.
Essas falhas na minha gestão se davam porque desligamento
não é uma prática comumente associada ao bom líder (isso seria um pleonasmo?),
portanto, só deveria por regra ser considerado como uma das últimas opções. O
exemplo de liderança é o da recuperação, do “milagre da transformação da água
em vinho”.
À medida que o tempo passava, a relação com aqueles
“colaboradores”, que aprendi a reconhecer e chamar mais recentemente de
“inviáveis”, ia se deteriorando, e eu me tornava, para efeito do que se lê
atualmente sobre o tema, um "Chefe Perseguidor" (outro pleonasmo?).
Virei “Chefe” porque insisti erroneamente num princípio, ou
crença que achava ser o papel do “Líder”.
Modéstia à parte, fazendo um balanço geral, acho que fui
bastante bem-sucedido como gestor de pessoas e de equipes ao longo da minha
carreira até aqui. Digo isso baseado no que falam e escrevem de mim a maioria
daqueles que trabalharam comigo. Não obstante, uma coisa é certa: quem me
reconhece como um líder exemplar e inspirador são aqueles que tiveram sucesso
no meu modelo de atuação. Aqueles que desliguei, e que diriam que os persegui,
me descrevem como o mais injusto e tirano dos seus Chefes.
Diante desse cenário, levando em conta o que dizem os textos
sobre Líderes e Chefes, como devo me considerar?
...
Entendem porque considero essas abordagens inconsistentes?!
Uma coisa eu aprendi com a minha experiência de quase trinta
anos de gestão de pessoas: certos profissionais não "viram a chave" e
a melhor coisa a fazer com eles, e inclusive também para eles, é desliga-los
logo de início.
Sempre fui um gestor (para ser neutro na minha
autodenominação) que trabalhei com o que tinha, aliás, sempre entendi que essa
era e é a missão de um gestor: conquistar os melhores resultados possíveis a
partir dos recursos disponíveis (inclusive os humanos, é claro). Nesse sentido,
nunca fui de levar meus “preferidos” comigo “debaixo do braço” de um desafio a
outro. Até porque, o que me estimula é tentar fazer "o jogo virar”, a cada
novo contexto que assumo. O objetivo é transformar grupos desarticulados e
cheios de conflitos, como os que muitas vezes encontrei pelo meu caminho, em
equipes de alto desempenho. O caminho que adoto é tentar fazer com que cada
membro da equipe reconheça, compreenda, respeite e valorize as capacidades de
seu colega, seu par, seu subordinado e seu superior, mais do que focar suas
deficiências e limitações. Parto do princípio de que é fundamental fazer os
liderados (se me permitem o autoelogio de considerar-me um Líder) entenderem,
de forma direta ou indireta, que não há equipe perfeita, mas sim a missão desafiadora
de tirarem o melhor da equipe que se tem.
Isso exigia e exige enormes doses de paciência, crença e
disposição para mudança, tanto minha quanto deles.
O modelo sempre funcionou muito bem exceto para aqueles com
um perfil muito específico: aqueles a quem falta coragem para lidar de “peito
aberto” com os riscos inerentes ao enfrentamento das suas reais dificuldades,
obstáculos e desafios do seu dia a dia; aqueles a quem falta a verdade no
relacionamento consigo mesmo.
Profissionais assim, que muitos dizem ter um caráter fraco,
ou falho, tem um comportamento dissimulado. Aliás, vale aqui um destaque: todos
temos algum nível de dissimulação em nosso comportamento, todavia, no caso
desses profissionais que menciono, a dissimulação é patológica.
Essas pessoas, ou não têm, ou são de dificílima recuperação,
o que só acontece eventualmente quando algo muito intenso as coloca em cheque,
deixando-as sem alternativas a não ser abandonar seu status quo.
Até alguns anos atrás, o que acontecia comigo na gestão
desses profissionais é que com o tempo, na medida que os resultados dos meus
esforços de transformação não aconteciam, o tom das minhas críticas e
exigências subia, meus feedbacks se tornavam, apesar de francos, cada vez mais "ácidos",
talvez na tentativa de criar o elemento desestabilizador capaz de provocar a
tal mudança. Isso se dava até que invariavelmente minha atuação para com este
estava de fato muito mais para o estereótipo do Chefe Tirano do que para o Líder
Inspirador.
A questão que se coloca é então: até quando devemos
“apostar” na capacidade de um profissional reverter seu mal comportamento, seu
fraco desempenho, repor suas lacunas de competência e melhor responder ao papel
que sua função de fato demanda?
Hoje respondo com tranquilidade que “apostava” tempo demais.
Aprender a reconhecer “colaboradores inviáveis” logo de
início e desliga-los rapidamente é fundamental.
E o mais interessante de se destacar em relação a isso é que
vi muitos desses profissionais que um dia desliguei, atrasado ou não, alguns
infelizmente depois de muito desgaste, darem-se muito bem em outros contextos.
Muitos deles passaram a agir como se fossem outras pessoas, o que prova
inclusive que para eles a experiência muitas vezes traumática do desligamento
era o único elemento capaz de fazê-los evoluir naquela circunstância.
Fato é que todos somos “Líderes fantásticos” e “Chefes ruins”. Todos temos os dois perfis, e outros tantos convivendo simultaneamente dentro de nós. Em relação a isso, o importante é saber reconhecê-los, aprender a melhor lidar com eles e não ser ingênuo e nem sofrer com as expectativas exageradamente idealistas cultuadas e disseminadas nesses textos e artigos muitas vezes irresponsáveis, que existem por aí.
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