Escrevo este texto como uma forma de homenagem a esta pessoa maravilhosa que tive a satisfação de conhecer, o Nelson Pereira do Lago; ou como era mais comumente conhecido: Seu Nelson.
Ele foi uma pessoa fantástica, capaz de enfrentar com muita disposição, mente sempre aberta e um marcante bom humor os enormes desafios que a vida lhe colocou, e outros tantos, que ele mesmo foi buscar ao longo de sua trajetória pessoal e profissional. Aliás, acho que começa por aí um dos grandes legados do Nelson. Nunca se acomodou, muito pelo contrário, sempre buscou situações nas quais sabia que estaria lidando com desafios muitas vezes além dos seus limites. Ele sempre buscava se superar. Não porque estivesse querendo provar algo para alguém, ou porque precisasse disso para alcançar uma condição social e econômica melhor, mas me arrisco a dizer que era porque assim agradecia o dom da vida.
Conheci o Nelson em 1989, quando seguindo uma indicação de outro profissional por quem tenho igualmente uma enorme admiração, o Chefe Emídio Machado, contratei-o para a função de Maître Executivo, do então Hotel Quatro Rodas de Olinda, onde comecei a minha carreira na hotelaria.
Na época, eu tinha sido recém promovido para o cargo de Gerente de Alimentos e Bebidas do hotel e estava montando a minha equipe. Meus planos passavam por ter duas pessoas operacionalmente bastante fortes como meus braços direitos. Uma, eu já tinha, era o Chefe Machado, que cuidava da Cozinha, um dos pilares mais importantes da área; a outra, que cuidaria de Sala (garçons, maîtres, bares, etc.), eu precisava contratar. Num certo dia, quando comentei esse plano com o Chefe Machado, ou seja, que queria um Maître Executivo e não um Assistente de A & B, foi como se tivesse aberto as cortinas de uma janela e os raios de sol tivessem penetrado por ela. Os olhos dele brilharam, e ele então falou: “Eu conheço o profissional do qual precisamos!”
Um mês depois, estávamos em meu carro indo para o aeroporto dos Guararapes, o Chefe Machado e eu, buscar o Nelson, que chegava de São Paulo.
Eu estava um pouco preocupado porque sabia que teria mais uma pessoa em minha equipe, a exemplo do próprio Machado, com quem seria obrigado a me relacionar de maneira mais formal, afinal, o Nelson completava cinqüenta anos, praticamente a idade de meu pai. Não obstante, por alguma razão que não sei explicar qual, eu tinha a certeza de que estava fazendo a escolha certa. Só tive alguma ponta de dúvida, quando durante todo o trajeto do hotel ao aeroporto, o Machado foi falando sem parar sobre a excelente contratação que tínhamos feito e que eu ficaria surpreso ao conhecer o excelente profissional que era Nelson do Lago. O Nelsão, como ele carinhosamente o tratava. Uma coisa é certa, eu não teria que gerenciar mais crises entre Maîtres e o Chefe de Cozinha, coisa muito comum entre essas duas funções. Mas fato é que aquele não era o comportamento comum do Machado. Ele sempre fora uma pessoa de poucas palavras e que se dedicara muito pouco a tecer elogios a respeito dos outros. No final, cheguei à conclusão de que o que o Machado estava mesmo querendo, era me preparar para o susto que teria ao ver o Nelson sair da sala de desembarque, naquele final de manhã.
Lá estava ele, um senhor de cabelos já bastante grisalhos, semblante relativamente fechado, eu não diria sisudo, mas sério, trajado de maneira muito formal. Lembro-me de que estava usando um desses casacos de lã cinza pied de poulet, típicos do inverno paulistano.
Pensei comigo: “O que foi que eu fiz?!” Fizera uma contratação bastante incomum para alguém como eu, naquela idade e assumindo o seu primeiro desafio profissional gerencial.
Grande engano, pois o tempo e a experiência me mostraram que eu estava na verdade tendo a chance de conhecer e começar uma longa e profícua relação com um dos maiores profissionais que já atuou no setor de Bares, Restaurantes e Hotéis.
A partir daquele dia, pude começar a vivenciar uma longa seqüência de quebra de paradigmas, a começar por uma das mais fortes do nosso mercado de trabalho: “Profissionais com mais de quarenta anos são velhos demais.”
O Nelson se mostrou uma pessoa extremamente disposta, cheio de energia e vigor, jovial, como alguém que estava começando a carreira naquele momento. E de certa forma era isso mesmo, pois ele, até então, só tinha trabalhado em restaurantes – grandes restaurantes, diga-se de passagem – como o renomado Terraço Itália, em São Paulo. Ele estava começando a sua carreira na hotelaria aos cinqüenta anos de idade, e o mais difícil, num ambiente desconhecido para ele: o Nordeste brasileiro. Isso é tão verdade que ele mesmo não se cansava de dizer naqueles primeiros dias de trabalho: “Estou começando tudo outra vez!”
O interessante era ver como ele sabia e tinha consciência de que, mais importante do que toda a experiência que acumulara, era a sua capacidade de se adaptar àquele novo contexto cultural e de trabalho.
O Nelson deu provas de que idade cronológica não fazia a menor diferença. Ele rompeu barreiras, e demonstrou que quando se quer, se pode.
Muitos anos depois, durante uma madrugada em Sauípe, lembro-me de viver com ele um dos nossos momentos mais especiais. Estávamos sozinhos, à beira da piscina, luzes já desligadas, céu estrelado, conversando depois de mais um dia exaustivo de trabalho, aliás, como foram quase todos naquela época de abertura de Sauípe. Tentávamos tomar um fôlego antes de irmos prá casa, fazendo um balanço do dia. Tínhamos tido uma jornada longa e difícil, em função do atendimento de um evento bastante difícil. De repente, ele me surpreendeu ao desabafar já em lágrimas sobre sua frustração por não estar conseguindo obter os resultados que planejara para o seu trabalho, e as dificuldades que enfrentava com a equipe. Destacou também como era difícil ser posto à prova daquela maneira, naquela fase da sua vida e carreira. Fiquei sem ação, pois não esperava ver um profissional como ele, que já não tinha mais nada o que provar, assim tão tocado com a situação. Ele chegou até a ficar adoentado por alguns dias.
Numa manhã agitada, alguns dias depois, lá estava ele de volta, com a conhecida disposição e o inseparável bom humor, como se estivesse começando tudo outra vez. Aquele episódio me marcou muito.
Há uns dois anos atrás, fui surpreendido novamente por ele. Desta vez,me mandou um e-mail dizendo-me que estava morando nos Estados Unidos, e que trabalhava em um restaurante numa cidade vizinha à Nova Iorque. Lá estava ele, mais uma vez, numa nova experiência desafiadora. Acho que já estava com setenta anos. Pensei comigo: “Que coragem, que disposição, largar tudo aqui no Brasil para ir trabalhar no exterior...” Claro que não estava sozinho. D. Elza, inseparável companheira, estava por lá também.
De quebra, bem humorado como de costume, me perguntava se eu estava acompanhando as últimas do seu querido “Coringão”. No anexo, uma foto sua atendendo alguém da família do Pop Star Michael Jackson. Infelizmente não me lembro quem era.
Grande Nelson!
Vai deixar muita saudade.
Exemplo de jovialidade, disposição, generosidade, bom humor, companheirismo, lealdade, profissionalismo, enfim, uma lista enorme de virtudes que são um exemplo prá todos nós.
Uma grande pessoa e um grande amigo.
Nelson, grande profissional, grande homem, humilde, disposto, espírito jovem, ser humano maravilhoso.
ResponderExcluirPAI honrado e amado todos os dias. Renata do Lago
Renata
ExcluirSeu pai foi um exemplo de profissional e pessoa, eu tenho muito orgulho de um dia ter conhecido.
Tenho grande orgulho de ter um dia conhecido Sr. Nelson, homem guerreiro e um ótimo conselheiro. Tive o prazer de conhecer quando fazia extra de garçom no Sofitel de Olinda e depois a alegria e o orgulho de trabalhar novamente no Sofitel de Sauipe. Harley Vieira
ResponderExcluirParabéns André você mencionou tudo no que si diz a respeito do profissional que era Nelson Lago, o mesmo deixou uma lacuna muito grande na gastronimia, não somente pelo profissional, mais como um ser humano incrível
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