terça-feira, 18 de maio de 2010

A hotelaria de hoje - Uma abordagem histórica - Os diversos momentos da atividade e a sua evolução

          Tenho me dado conta nestes últimos tempos que a hotelaria, a atividade que escolhi por vocação, não é mais a mesma. As mudanças ocorridas foram tão profundas e transformadoras, que acho que a essência da atividade se perdeu. Se não de todo, pelo menos em boa parte. Pensei que iria passar minha vida profissional inteira me dedicando a cuidar de pessoas, acolhendo-as, dando-lhes abrigo e comida, conforto e bem-estar; proporcionando-lhes momentos especiais de descontração e realização pessoal. Praticando aquilo que conhecemos mais comumente como HOSPITALIDADE. 
          Infelizmente, na prática o foco não tem sido mais este. Entramos na era em que a HOTELARIA se tornou um NEGÓCIO como outro qualquer, e a hospitalidade, um mero ingrediente da sua composição, não raro, relegado ao segundo plano. As questões comerciais é que são o foco principal da atividade, na qual o objetivo maior é gerar riqueza. 
          Não podemos nos esquecer que a hotelaria existe originalmente porque é uma resposta há uma necessidade de ordem natural e vital do ser humano.
          Diferentemente de outros negócios "artificialmente criados", como os cartões de crédito, publicidade e propaganda, parques de diversão, centros de estética, pet shops, etc, a hotelaria atende a uma necessidade inerente ao ser humano. Sem abrigo e alimentação (... e acrescentaria ainda carinho e atenção) o ser humano não vive. Enquanto os outros negócios vieram apenas para "facilitar" a vida das pessoas, a hotelaria existe para mantê-las vivas.
          Não é a toa que o termo latim Hospitalitas deu origem tanto a palavra hospitalidade, como hospital. É óbvio que se não precisasse "sair de casa", o homem não precisaria da hotelaria. A questão é que se deslocar é algo inerente à dinâmica social e econômica da vida humana.
          Acho que posso afirmar que a manutenção da nossa espécie não seria possível sem o deslocamento de alguém, num dado momento, por um dado motivo. E quando falo deslocamento aqui, refiro-me ao ato de cruzar os limites do seu "território".
          Se nos primórdios, o homem perambulava porque era nômade e vivia da caça, pesca e coleta de víveres, quando se fixou, passou a gerar excessos de produção, e foi então o comércio que estabeleceu a necessidade e o ritmo dos seus deslocamentos. Como o homem passou a ter que viajar de forma regular para lugares distantes e onde não possuía solução própria de abrigo e alimentação, foi natural o surgimento da atividade.
          Há registros de estabelecimentos construídos especialmente para abrigar viajantes em regiões portuárias da Grécia antiga. No Império Romano, onde as viagens eram muitas, dada à necessidade de manutenção do vasto território conquistado, havia muitos caminhos e estradas, e ao longo destas surgiram primeiramente os acampamentos rústicos e depois as tabernas, todas, estruturas dedicadas a acolher os viajantes. No Brasil, um exemplo marcante bem mais recente foi o comércio do gado e do charque, que definiu a geografia política de boa parte da nossa região sul. Como os tropeiros levavam dias viajando na condução dos animais, foram naturalmente se estabelecendo pontos fixos de parada e descanso ao longo da rota. Esses pontos de parada mais tarde se tornaram vilarejos, e estes evoluíram para as nossas atuais cidades. 
          Curiosamente, essas cidades distam aproximadamente trinta quilômetros entre si, e isto não é coincidência. Na verdade, esta era a distância em média que os tropeiros conseguiam percorrer com os animais em um dia. 
          Na Europa da idade moderna, dar acolhida aos viajantes era uma obrigação, fossem eles nobres ou não. Imagine como era difícil para os pobres camponeses cumprir com esta prática. Já pensou o que seria naquela época receber uma Comitiva Real!? Pergunto-me se haveria naquela época algum Grupo de Negócios (ou seria Lazer?) mais numeroso e exigente que este? 
          Essa tarefa sem dúvida era menos complicada para os nobres poderosos que viviam em seus Castelos, pois tinham criadagem e contavam com a produção de alimentos do campesinato que vivia sob seu jugo. O filme Vatel, que conta a história de uma visita de Luis XIV e sua comitiva ao Príncipe de Conde, Louis de Bourbon, no Château de Chantilly imortalizou de forma brilhante e pormenorizada esta façanha. 
          Com a intensificação do fluxo de viajantes motivados principalmente pelo comércio foi ficando cada vez mais difícil manter essa forma de fazer hotelaria assim improvisada e não profissional. Tornou-se insuportável para todos aqueles que moravam ao longo das estradas receberem de forma gratuita e apenas amigável a todos que precisavam de abrigo e comida. 
          Isto fez com que se definissem então as primeiras regras para a instituição da atividade hoteleira. 
          Os estabelecimentos autorizados a receber viajantes, e a cobrar por isto, deviam portar uma sinalização específica. Na época, utilizavam uma bandeira com brasões da atividade. Esta bandeira indicava também a existência de aposentos disponíveis, exigência feita em função da obrigatoriedade que tinham de acolher todo e qualquer viajante, enquanto houvesse disponibilidade. Não era permitido “escolher clientes”. Enquanto a bandeira estivesse na fachada, havia disponibilidade. Só quando os estabelecimentos estavam lotados é que as bandeiras podiam ser recolhidas. 
          Mais à frente, os hotéis evoluíram para uma espécie de prédio sede de serviços públicos. Além da sua atividade primordial de acolher os viajantes, os hotéis passaram a ser também utilizados para julgamentos e depósito dos bens utilizados como cauções em negócios que envolviam empréstimos em dinheiro. A atividade havia conquistado um papel bem mais amplo na vida da sociedade e com isto, o hoteleiro ganhou status, se tornando um personagem de forte influência social. 
          Com o passar do tempo, a hotelaria foi se estruturando e ganhando contornos que lhe aproximaram das elites, lhe distanciando da realidade prática do mundo das viagens. O mundo da hotelaria foi se restringindo àquilo que fazia parte exclusivamente do contexto romântico dos grandes e sofisticados estabelecimentos, cabendo às estruturas mais simples um papel secundário, de pouquíssima relevância econômica e social, razão pela qual pouco sabemos acerca dessas estruturas. E não é para menos, afinal, a História é contada sempre a partir do que acontece na esfera dos "poderosos", ou a partir da visão destes. 
          Por outro lado, são inúmeros os registros e informações provenientes dos grandes e tradicionais estabelecimentos hoteleiros, que marcaram época. A hotelaria passou a ser sinônimo de glamour, de festa, de luxo e de ostentação. Seus proprietários eram aristocratas de fino trato que faziam parte da rica elite de sua época, o que não poderia ser diferente, pois só a estes era dado o acesso às melhores escolas, à melhor formação e aos padrões mais adequados de comportamento e convívio social, componentes imprescindíveis para a atuação de qualquer hoteleiro que se preze. 
          Mais tarde, o modelo destes estabelecimentos se consolidou e suas instalações, sua estrutura de pessoal e sua nova categoria de profissionais de ofício passou a definir os conceitos da atividade, que então se tornou um negócio de verdade. Um grande negócio, diga-se de passagem. Tão grande que é hoje um dos mais representativos do segmento de Turismo e Viagens, que responde por quase dez por cento de tudo o que se produz no mundo. 

Continua...

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