terça-feira, 24 de julho de 2012

As Emoções no Universo das Vendas

Tudo começou quando fui solicitado a apresentar uma proposta para a realização de um trabalho onde iria explorar minha abordagem com foco nas emoções no contexto das vendas e não no contexto do Atendimento a Clientes.

Fiquei indeciso se deveria ou não atender ao pedido, e de que forma fazê-lo, pois inicialmente percebi a oportunidade como um risco para a imagem do meu trabalho.


Você deve estar se perguntando: mas que risco é esse? Refiro-me a possibilidade da abordagem que adoto passar a ser confundida com uma das várias técnicas e metodologias de venda utilizadas para explorar as fraquezas e os "naturais" impulsos consumistas dos clientes, um princípio predominante nas estratégias de comercialização de muitas empresas.



Temia, por exemplo, a ideia de ver o desenvolvimento da competência emocional dos vendedores (resultado natural do meu trabalho) ser utilizado indevidamente para potencializar uma atuação ainda mais manipuladora no comportamento dos clientes, o que, a meu ver, além de eticamente reprovável, só reforçaria o modelo pouco sustentável de relacionamento que existe atualmente entre a maioria das empresas e seus clientes.

Enfim, a solicitação me parecia muito mais uma proposta radicalmente contrária aos propósitos que persigo em meu trabalho do que uma oportunidade de fazer um bom negócio. Mesmo assim decidi refletir bastante a fim de encontrar uma forma de ver a situação de um modo diferente e é isso o que quero tratar nesse artigo.


Antes, porém, queria ir um pouco mais além nessa questão inicial que levantei, sobre a postura das empresas . Para tanto, acho interessante resgatar o conceito de “Identidade Líquida”, criada e defendida pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Segundo ele, em nossa sociedade atual, a identidade é algo transitório e definido em grande parte a partir daquilo que as pessoas consomem. Em outras palavras, o que você “consome” define quem você é. Assim sendo, o ato de consumir, ou comprar, passa a ter mais do que um propósito meramente utilitário, ou seja, não adquirimos algo apenas porque precisamos dele, mas também porque ele, ou o fato de possuí-lo, agregam algo a nossa identidade e a nossa imagem social.

Esse conceito, em minha opinião, se tornou a base das estratégias de marketing de quase todas as empresas atualmente. E as estratégias comerciais vêm a reboque dessa.
Vejamos as campanhas publicitárias, por exemplo. De forma geral, quase todas focam situações de forte apelo emocional (e aqui vale o destaque para o quanto os profissionais de marketing e propaganda já estão conscientes e ativos na utilização das emoções a serviço de seus propósitos), utilizando-se de memes (Richard Brodie, 2009) capazes de ativar os nossos “botões” de aprovação, poder, dominação, segurança e distinção social. Bancos, montadoras de veículos, incorporadoras imobiliárias, empresas de telefonia e outras tantas, dos mais diversos segmentos econômicos, exploram experiências e enredos envolvendo a ideia de sucesso e realização pessoal e profissional, associando-as às suas marcas, produtos e serviços. A bem da verdade, associações forçadas e na maioria das vezes muito distantes da verdadeira possibilidade de realização e esforços de entrega dessas empresas.

Cenário semelhante ocorre também no contexto interno dessas empresas, onde suas estratégias de comunicação têm se mostrado bastante eficazes, considerando o elevado nível de "contágio” que alcançam junto ao seu público-alvo. Motivados pelas mensagens internas divulgadas repetida e intensamente, os funcionários dessas empresas passam a se comportar como verdadeiros evangelizados, vivendo os propósitos e valores empresariais como crenças e missões pessoais. Mais ainda, convictos de que aquilo em que acreditam é o seu propósito, passam também a dedicar seus melhores esforços na busca da "conversão" de novos “adeptos”.
Talvez essa seja a explicação, por exemplo, para a atuação tão invasiva e pouco respeitosa de muitos vendedores, que ao promoverem seus produtos e serviços passam a se comportar como se fossem porta-vozes de "receitas milagrosas”, interpelando potenciais clientes sem qualquer cuidado e consideração, como se tivessem perdido a noção de que nem todos são igualmente “adeptos".

A verdade é que, se por um lado essa postura ou estratégia generalizada de negócios, se mostrou interessante para as empresas, por outro motivou, da parte dos clientes, uma forte e crescente reação de desconfiança e repúdio, tanto ao teor exagerado das promessas, quanto à própria mensagem empresarial de uma maneira geral. Uma reação que, eu diria, tem hoje status de movimento social sustentado pelo ceticismo que define uma disposição ativa de muitos consumidores em divulgar ampla e gratuitamente sua postura de ataque a qualquer promessa ou mensagem oriunda das organizações empresariais.

Não sou partidário nem defendo especificamente nenhuma das duas posições, pois acredito que ambas sofrem de vieses que afetam a consciência e o senso crítico, virtudes fundamentais à necessária análise menos parcial dos acontecimentos cotidianos. Em minha opinião, não podemos perder a já reduzida capacidade de discernir as boas das más oportunidades. Não podemos ficar cegos, enquanto consumidores ou vendedores, às possíveis verdadeiras boas ideias, propostas e intenções que podem eventualmente bater à nossa porta, ou cruzar nosso caminho.  Nesse embate, portanto, tanto evangelizadores quanto céticos têm suas percepções obscurecidas pelas ideias e crenças às quais incondicionalmente se dedicam.

Pois bem, acredito que é exatamente nesse ponto que reside a possibilidade de desenvolver minha maior contribuição para o “Universo das Vendas” e, em especial, aos profissionais de vendas, ou seja, o desenvolvimento da sua capacidade de atuar de forma mais imparcial, consciente e menos suscetível aos paradigmas e vieses próprios do atual contexto de sua atividade.

Parece poético e idealista, não? Vou tentar então defender a tese de que isso é possível, concreto e necessário.

Primeiramente, é importante dizer que em relação às abordagens de vendas conhecidas dou preferência àquela que se intitula “Venda Consultiva”. Esta abordagem considera o vendedor um consultor, e lhe atribui uma atuação pautada na curiosidade, disposição investigativa e no chamado “interesse genuíno” (pelo cliente).
Minha preferência não poderia ser outra, pois somente a Venda Consultiva comporta a abordagem que vou propor a seguir. Aliás, para ser mais preciso, acredito que a Venda Consultiva depende dos princípios da abordagem que hoje adoto na formação dos profissionais de atendimento. E digo isso porque vejo que a maior dificuldade na prática se dá no seu elemento mais essencial, ou seja, a garantia do “interesse genuíno”.
Os vendedores são invariavelmente vítimas de enormes pressões que recaem cotidianamente sobre si, o que os colocam em um estado emocional tendenciosamente negativo, tornando-os mais suscetíveis às dificuldades, mais críticos e fazendo-os adotar uma perspectiva que os leva à retração. Nessa condição é quase impossível garantir qualquer tipo de interesse genuíno pelo cliente, ou por quem quer que seja.

As pressões a que me refiro são aquelas oriundas da necessidade do cumprimento de metas e prazos cada vez mais difíceis e complexos. Além do que, a própria condição de vendedor carrega em si um componente de "reputação questionável". Isso sem falar ainda dos aspectos financeiros inerentes à relação cliente-vendedor. E o dinheiro, como é sabido, afasta as pessoas e as torna mais egoístas. Não é à toa, portanto, o que alguns profissionais da área costumam dizer: “Vendedor que é vendedor, tem que matar um leão por dia”. Ou ainda: “Todo vendedor morre dia 31, e renasce dia 1º”.

Diante de tais máximas, fica evidente o nível de stress e ansiedade sempre presentes. O medo de enfrentar situações junto aos clientes, para as quais poderão não ter argumentos. O medo de não fechar o negócio. O medo de não fechar a cota do mês. O medo de não atender às expectativas dos seus superiores. E não menos importante, o medo de não faturar o suficiente para pagar suas contas pessoais, uma vez que para muitos a remuneração depende diretamente das comissões resultantes da sua produtividade individual. Nesse cenário, sem dúvida, é muito difícil apresentar uma disposição mental expansiva, tolerante e criativa, condições tão necessárias à prática do desejado interesse genuíno.

Mas há pessoas para as quais esse cenário adverso parece nada representar. Refiro-me àquelas com um perfil pessoal muito específico, marcado por um elevado grau de autodisciplina, resiliência e persistência, os assim chamados "vendedores natos". O ideal seria ter apenas vendedores com esse perfil. No entanto, como a função é das mais demandantes do mercado de trabalho, não há como contar apenas com essas pessoas de talento natural. E ainda que houvesse candidatos em número suficiente com esse perfil, as ferramentas e metodologias atualmente empregadas nos processos seletivos, com raras exceções, são pouco efetivas quanto à detecção desses talentos. A grande maioria delas fornece descrições de perfil de personalidade e esse dado não necessariamente está vinculado a talento e muito menos a desempenho. O resultado será previsível: uma grande quantidade de pessoas que não apresentam o perfil para a função atuam como vendedores (assim com em qualquer outra atividade profissional, é verdade).
A questão é, então, o que fazer para mitigar os efeitos desse problema. Em verdade, é possível fazer com que esses profissionais atuem de forma mais satisfatória, ou mesmo, que se tornem bons vendedores. Considerando que sejam pessoas com requisitos mínimos para a função (uma definição que varia de empresa para empresa) e, principalmente, dotados de um forte desejo e disposição para atuarem na área, a questão passa ser então o grau de investimento e a qualidade do desenvolvimento necessário para a sua adequada capacitação. Quanto a isso, tenho um sério ponto de discordância em relação à boa parte das metodologias e abordagens de capacitação de vendedores que vejo por aí. Para mim, é preciso ir além do aprofundamento do conhecimento técnico daquilo que se vende e diminuir a aplicação de modelos exageradamente estruturados. Roteiros de venda, scripts de atuação e todas as outras iniciativas baseadas em modelos fundamentalmente lógico racionais são insuficientes.
Ser um bom vendedor começa, PRIMEIRAMENTE, com a capacidade de lidar com as emoções, as próprias, a dos pares, superiores e a dos clientes, sem modelos pré-definidos, hierarquias ou preferências, pois cada contexto, cada pessoa, cada momento é único e, como tal, requer uma abordagem emocional específica e sob medida. 

As emoções influenciam diretamente a percepção, o pensamento, o julgamento e a própria racionalidade em si. Portanto, não há como trabalhar modelos exclusivamente racionais, como os citados anteriormente, sem antes desenvolver as condições para a adequada “leitura”, compreensão e regulação emocional. A esfera do racional é subordinada ao emocional, principalmente no fenômeno da compra/venda.

De nada adiantará municiar os vendedores com técnicas de identificação de necessidades e táticas de enfrentamento de objeções, por exemplo, se eles não souberem como lidar com as constantes frustrações inerentes ao desempenho diário da sua atividade. Afinal, uma venda bem sucedida é fruto da disposição em enfrentar outras tantas tentativas frustradas. Diante de tamanha frustração, a percepção e a compreensão da realidade e o desempenho na aplicação das técnicas por parte do vendedor ficam seriamente afetados. O adiamento da satisfação e o exercício do otimismo são práticas e habilidades emocionais passíveis de serem desenvolvidas, e extremamente efetivas na neutralização dos efeitos negativos da frustração. Um exemplo, portanto, do que é possível com a priorização inicial do enfoque emocional.

Outro bom exemplo é o próprio Interesse Genuíno: O que é se não, em grande medida, um sinônimo de Empatia? A capacidade de compreender e responder às experiências únicas das outras pessoas (Arthur P. Ciaramicoli, 2000). A Empatia depende basicamente da competência em identificar e lidar com as emoções próprias e as dos que nos cercam.

Enfim, se você concorda comigo quanto à importância, consistência, adequação e o valor da Venda Consultiva, inevitavelmente concordará também com o quão importante é para essa metodologia o desenvolvimento da aptidão e da competência emocional dos vendedores.

Sendo assim, posso dizer que me sinto feliz e satisfeito porque acredito que minha abordagem possa gerar impactos bastante positivos ao Universo das Vendas, sem se desviar do seu propósito ético original. Não tenho dúvida de que o foco no desenvolvimento da competência emocional, que tanto priorizo, potencializará o desempenho de qualquer profissional de vendas, destacadamente, porque o ajudará a atuar a partir de boas intenções e de se fazer melhor percebido como tal.



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